Espiritualidade em meio ao caos – Jeremias 15.
Introdução:
No capítulo 14, Jeremias profetiza a chegada da seca, da fome
e da guerra sobre Jerusalém. No meio da calamidade, o profeta se dirige a Deus:
“Por que ages como um guerreiro que não podes salvar? ” (v.9) Ele se acha numa
encruzilhada: “Se parto para o campo, vejo os que foram mortos pela espada; se
adentro à cidade, vejo os debilitados pela fome. O profeta e o sacerdote
percorrem a terra e não compreendem nada!
Então, o profeta questiona a Deus: “...Por que nos feriste, sem que haja
possibilidade de cura para nós? Aguardamos a paz, mas não chegou bem algum;
aguardávamos um tempo de cura, mas há somente terror” (vs. 18-19).
1)
Um
profeta que orava
Há sete passagens no livro de Jeremias que são denominadas
confessionais, confissão à Deus (Jr 8.18 -9.3; 11.18-23; 12.1-6; 15.10-12,
15-21; 17.14-18, 18-23; 20.7-18). “Oh! Se eu pudesse consolar-me na minha
tristeza! O meu coração desfalece em mim” (8.18) ... Em cada uma delas, o
profeta fala na primeira pessoa, abrindo seu coração.
Quando olhamos para Jeremias em sua vida particular, não o
encontramos em companhia de alguns amigos pessoais, em animada conversa,
trocando histórias sobre Deus, porquanto Deus não é algo para ser discutido,
mas vivido. O que vemos, portanto, é Jeremias em constante oração: dirigindo-se
para Deus e ouvindo sua resposta.
A oração é o meio pelo qual nos aproximamos de Deus como um
ser pessoal, como alguém com quem se pode conversar. O ato de orar é dar
atenção para aquele que nos escuta e assiste. É a decisão e nos aproximarmos de
Deus como Nosso Senhor e Salvador.
2)
O
quarto secreto
Imagine você com mais alguém sentado em um restaurante dialogando
coisas particulares, enquanto isso o garçom serve uma comida toda especial. Não
há mais ninguém, somente vocês e uma luz é refletida sobre a mesa e todo o
resto do recinto está em escuro.
Assim é a oração, ela nunca ocorre na mais completa e
absoluta solidão, mas na intimidade. A oração é o desejo de ouvir a Deus, de
falar com Ele, em primeira mão, e então, estabelecer um tempo reservado. Este
sentimento origina-se na convicção de que o Deus vivo é, imensamente,
importante para mim, e o que acontece entre nós exige minha atenção exclusiva.
Mas, o que acontece na prática é totalmente diferente. Os detalhes
são os mesmos, com duas diferenças: a pessoa sentada à mesa é o seu ego, e o
garçom é Deus. Ele é alguém para quem você dá ordens, faz suas reclamações. E,
talvez, no final, diga obrigado. A pessoa que lhe absorve é o eu – suas idéias,
seus sentimentos, interesses e satisfações ou a falta deles.
Surge uma pergunta: O que acontecia estes momentos íntimos entre
Jeremias e Deus? Sabemos que o profeta se encontrava com Deus em segredo, mas o
que ele falava? Quando olhamos para Jeremias em oração, vemos um homem
assustado, solitário, ferido e irado. Senão, vejamos:
“Tú, ó Senhor, o sabes;
lembra-te de mim, ampara-me e vinga-me dos meus perseguidores” (Jr 15.15 a)
O profeta está assustado: “Não profetizas no nome do Senhor,
para que não morras às nossas mãos” (Jr 11.21). Amaldiçoado e perseguido, não
havia mais lugar segura para ele. É como se ele dissesse a Deus: “Voce é que me
colocou nisto, agora me tira desta confusão”.
Ele prossegue, ao comparar o seu próprio sentimento de urgência
e a deliberada paciência de Deus: “Não me deixes ser arrebatado, por causa da
tua longanimidade, sabe que por amor de ti tenho sofrido afronta” (15 b). Uma
outra tradução traz mais luz a este texto: “Por sua paciência estou sendo destruído!
Considere! Por tua causa estou sofrendo abusos”. Em outras palavras: “Não sejas
tão generoso com os meus perseguidores, dando-lhe tempo para me destruir”.
“OS MOINHOS DA AÇÃO DIVINA GIRAM MOROSAMENTE, ENQUANTO OS
MOTORES DA PERSEGUIÇÃO OPERAM DE FORMA FRENÉTICA”
b) solidão
“Achadas as tuas
palavras, logo as comi; as tuas palavras me foram gozo e alegria para o
coração, pois pelo teu nome sou chamado, ó Senhor, Deus dos exércitos. Nunca me
assentei na roda dos que se alegram, nem me regozijei; oprimido por tua mão, eu
me assentei solitário, pois já estou de posse das tuas ameaças”’ (vs. 16,17).
Uma vez, tendo provado o gosto supremo pela Palavra de Deus,
ele não podia retornar à insipida dieta de fofocas e boatos. Era uma jornada
sem volta e solitária.
c) sofrimento e ira
“Porque dura a minha
dor continuamente, e a minha ferida me dói e não admite cura? ” (v.18)
“Serias tu para mim
como ilusório ribeiro, como águas que enganam? ” (.18 b).
Jeremias já havia pregado que Deus era “manancial de águas
puras” e, tudo que tinha além de Deus era “cisternas rotas, que não retém água”
(Jr 2.13), agora, o profeta o acusa de ser “um ribeiro ilusório”, como um
desses pequenos cursos d’água que, à distância, parecem existir no deserto, mas
quando se chega mais próximo de suas margens, descobre-se que o leito está seco.
“Tu me iludiste, Senhor, e eu fui iludido. Foste mais forte do que eu e
prevaleceste. Sou motivo de riso o dia inteiro; todos zombam de mim” (Jr 20.7).
3)
Deus
responde
“Portanto, assim diz o
Senhor: se tu te arrependeres, eu te farei voltar e estarei diante de ti” (v.19
a).
Deus responde: “eu compreendo toda a sua dor, solidão,
sofrimento e ira, mas não serei indulgente com você com base nisso. Abandone-as
e arrependa-se. Se você parar com tal conversa, então eu te restaurarei, o
farei voltar ao oficio profético.
Deus sente as nossas dores, mas ele não é complacente com a nossa
autopiedade. Arrependa-se, desvie desse tipo de sentimentos, pois são nocivos,
perigosos ou destrutivos. Então, eu o restaurarei; o colacarei em pé, pronto a
servir novamente, em minha presença.
Conclusão:
“Se apartares o
precioso do vil, serás a minha boca; e eles se tornarão a ti, mas tu não
passarás para o lado deles” (v.19 b).
“Eu te porei contra esse povo como forte muro de bronze; eles
pelejarão contra ti, mas não prevalecerão contra ti; por que eu Sou contigo
para te salvar, para te livrar deles, diz o Senhor. Eis que eu mesmo te
livrarei das mãos dos ímpios e te resgatarei das garras dos perversos e
sanguinários” (vs. 20,21).
Jeremias já havia ouvido estas palavras antes, em sua
juventude: “Eis que te coloco a partir de hoje, como uma coluna de ferro, como
uma muralha de bronze, diante de toda terra...” (Jr 1.18). Precisamos ouvir
novamente, a oração é o ato no qual ouvimos de novo.
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