Canto fúnebre - Lm 3.19-29
Introdução: Vivemos tempos fúnebres. O prefeito de São Paulo comprou 38
mil caixões e abriu 13 mil valas para enterrar os mortos do covid 19. Aliás. Adquiriu
5 mil sacos reforçados para carregamento dos corpos, além de oito mil câmeras refrigeradas
para guardar até mil corpos antes dos velórios.
O livro de lamentações é um canto fúnebre. O próprio titulo
já sugere o tema sofrido da obra: “Eykah”, isto é, “Como...”, a primeira
palavra não somente do versículo (1.1), mas também de 2.1, 4.1. Essa expressão
é uma interjeição que revela todo o assombro pela devastação e o imenso vazio
em que encontra a cidade.
1)
História
A história do livro tem seu contexto, em 586 a.C., quando
Jerusalém caiu diante do exercito babilônico. Muitos morreram, e outros foram
obrigados a caminhar 900 quilômetros até o exilio. Portanto, lamentações é a
cerimonia fúnebre no enterro da cidade morta. Em 2 Reis 25, todos os eventos
são narrados: o cerco à Jerusalém; a penúria; a fuga do rei Zedequias; o saque
do Templo; o incêndio no templo, no palácio e outros edifícios importantes; a
demolição dos muros da cidade; o assassinato dos líderes; o exilio
dos habitantes da cidade; a expectativa e a decepção quanto à ajuda externa e o
estado precário da nação.
Cadáveres amontoados por todos os lados. Canibalismo e
sacrilégio – dois Terrores atacando as ruas da cidade destruída. O assassinato
desesperado de crianças inocentes demonstrou a perda de esperança no valor humano,
os sacerdotes mortos evidenciaram o desaparecimento pela vontade divina.
Todo sofrimento é provocado por alguma coisa. Há um evento
especifico por trás de um ato de dor. O sofrimento explode e dor se espalha como
os estilhaços de uma granada.
“Ó Senhor, pensa nisso!
Acaso deves tratar teu povo dessa maneira? Devem as mães comer os próprios filhos,
que elas criaram com tanto carinho? Devem os sacerdotes e os profetas ser
mortos dentro do templo do Senhor? (Lm 2.20).
“Estão jogados nas ruas, jovens e velhos,
rapazes e moças, mortos pelas espadas, do inimigo. Tu os matastes em tua ira e
os devorastes sem piedade” (Lm 2.22).
“Como se faz convocação
para um dia de festa, convocaste contra mim terrores de todos os lados. No dia,
da ira do Senhor, ninguém escapou nem sobreviveu; aqueles dos quais eu cuidava
e que eu fiz crescer, o meu inimigo destruiu” (Lm 2.22).
Até hoje os judeus costumam ler publicamente esta obra no
jejum do dia nove do mês Abe (em meados de julho), relembrando as destruições
de Jerusalém que aconteceram no ano 586 a.C., muitos judeus leem esse livro
durante a semana toda, em frente ao “muro de lamentações”, o que restou do
templo de Salomão.
2)
Forma
Os lamentos foram compostos em uma forma estrutura de
acróstico alfabéticos. Os quatro primeiros poemas percorrem todo o alfabeto
hebraico; o terceiro capitulo tem 66 versículos, empregando trezes vezes
seguidas cada uma das 22 letras do alfabeto hebraico. O quinto não é acrostico,
mas contém 22 versos, número das letras do alfabeto hebraico.
Por quê? Era para facilitar a memorização (Salmo 119 está na
forma de acróstico). Também, garantir que a tristeza e o desespero fossem manifestado
por completo. Portanto, o acróstico, com paciência e
cuidado, avança pelas letras do alfabeto e cobre todo terreno do sofrimento.
Leva cada detalhe em consideração. Uma expressão talmúdica fala de observar a
Torá de Aleph a Tau, ou, como diríamos, de A a Z!
O primeiro capítulo
começa descrevendo as dificuldades de Sião vistas do lado de fora, como se vizinho tivesse
relatando: “A cidade que antes era cheia
de gente agora está deserta. Antes era grande entre as nações, agora está
sozinha, como uma viúva. Antes era rainha de toda terra, agora é escrava”. (Lm
1.1).
Mas, ele termina o capítulo declarando o sentimento de quem
está dentro da situação, do sofrimento: “As
estradas para Sião estão de luto, pois as multidões já não vem celebrar as
festas. Os portões da cidade estão em silencio, os sacerdotes gemem, as moças
choram. Como é amargo seu destino” (Lm 1.4)
“Voces não se comovem,
todos vocês que passam por aqui? Olhem ao redor e vejam se há sofrimento maior
do que me foi imposto” (v.12). “...Meus gemidos são muitos, e meu coração está
enfermo” (v.22).
O Segundo capítulo
estende o limite do sofrimento até a esfera divina. Não há emoção mais desagradável nem
mais difícil de enfrentar do que a ira. E, quando quem está irado é Deus, a
situação e muito mais difícil.
“O Senhor cobriu a cidade de Sião com a nuvem de sua ira!
Lançou-se por terra toda beleza e alegria de Israel... Não se lembrou do
estrado de seus pés no dia do seu furor” (Lm 2.1). O termo “estrado de seus pés”
é o templo”.
“O Senhor é como um inimigo; ele tem devorado Israel, tem
devorado todos os seus palácios e destruídos as suas fortalezas, tem feito
multiplicar os prantos e as lamentações da filha de Judá” (v.5).
Aquilo que supúnhamos ser pequenos delitos inofensivos,
durante a desolação de Jerusalém passou a ser considerado pecado grave. Os chacas
que perambulavam pelos corredores destruídos do templo de Sião (5.18)
constituem evidencia de um grande mal que se insinuou em silencio e com discrição na vida do povo de Deus. A
VISÃO DOS PECADOS ESCONDIDOS DURANTE DECADAS NOS CORAÇÕES, QUE AGORA APARECIA
NAS RUAS, PROVOCA ARREPENDIMENTO: “Ai de nós, porque temos pecado” (5.16).
O terceiro capítulo
intensifica o acróstico, pois cada uma das três linhas de cada estrofe começa
com a mesma letra e não são 22 versos, mas 66 versos! De repente, surge um homem! Por fim,
um indivíduo capaz de lamentar de verdade, com profundidade, o que vivenciara. É
o lamento mais pessoal e demonstra profunda individualização.
“Eu sou o homem que viu
a aflição trazida pela vara da sua ira” (3.1)
“Então por que nós,
humanos, nos queixamos quando somos castigados por nossos pecados? (V.39)
“Em vez disso,
examinemos nossos caminhos e voltemos para o Senhor”. (v. 40).
O capítulo 4 ameniza
a intensidade da emoção do poema anterior e volta à terceira pessoa. O folego humano não consegue suportar
a intensidade do capítulo 3. O acrostico continua a explorar o sofrimento, mas
agora a distância.
“Como o ouro perdeu o
brilho! Como o ouro fino ficou embaçado! As pedras sagradas estão espalhadas
pelas esquinas de todas as ruas” (4.1). Vejam, que o verso 2 interpreta o v.1: “Como
os preciosos filhos de Sião, que antes valiam eu peso em ouro, hoje são
renegados a condição de vasos de barro, obras das mãos de simples oleiro”
(v.2).
As metáforas assumem um aspecto familiar: “ouro reluzente
perdeu o seu brilho”. Agora, “...antes valiam seu peso em ouro, hoje são
renegados... vasos de barro” (vs. 1 e 2).
“A língua que mama fica
preso ao céu da boca, de tanta sede... os que fartavam de alimentos de alta
qualidade... desfalecem nas ruas famintos... seus príncipes eram mais
brilhantes que a neve ao sol... sua pele enrugou-se sobre os seus ossos, e
agora parecem lascas finas de madeira seca... os mortos à espada estão melhor
do que os que se arrastam esfomeados...” (vs. 4-9).
Conclusão: uma oração
O quinto capítulo é uma
oração. O último lamento coloca toda situação diante de Deus. “O FIM DAS POSSIBILIDADES HUMANAS PRESSUPOE
CLARAMENTE AS POSSIBILIDADES DE DEUS”.
“Ó Deus, lembra-te do
que tem acontecido conosco; olha para nós e contempla o nosso absoluto estado
de desgraça” (5.1).
“Somos órfãos de pai,
nossas mães são como viúvas” (v.3)
“Ó Deus, restaura-nos
para ti mesmo, Senhor, para que retornemos; renova os nossos dias como os de
antigamente” (v.21).
Se o mal tem início, também tem fim. Após percorrer todas as
letras no alfabeto hebraico. Depois de usar todas, começa-se a perceber que o
terreno já foi todo explorado. A tristeza e o sofrimento têm fim. Há um esquema
alfabético que pode ser contado: Assim, quando você está no, A, sabe que,
embora distante, o Z está à sua frente e que ali a progressão terá fim. QUE AS
LÁGRIMAS CORRAM, MAS QUE TAMBÉM CESSEM!
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