terça-feira, 26 de maio de 2020


Canto fúnebre -  Lm 3.19-29


Introdução:  Vivemos tempos fúnebres. O prefeito de São Paulo comprou 38 mil caixões e abriu 13 mil valas para enterrar os mortos do covid 19. Aliás. Adquiriu 5 mil sacos reforçados para carregamento dos corpos, além de oito mil câmeras refrigeradas para guardar até mil corpos antes dos velórios.

O livro de lamentações é um canto fúnebre. O próprio titulo já sugere o tema sofrido da obra: “Eykah”, isto é, “Como...”, a primeira palavra não somente do versículo (1.1), mas também de 2.1, 4.1. Essa expressão é uma interjeição que revela todo o assombro pela devastação e o imenso vazio em que encontra a cidade.

1)    História
A história do livro tem seu contexto, em 586 a.C., quando Jerusalém caiu diante do exercito babilônico. Muitos morreram, e outros foram obrigados a caminhar 900 quilômetros até o exilio. Portanto, lamentações é a cerimonia fúnebre no enterro da cidade morta. Em 2 Reis 25, todos os eventos são narrados: o cerco à Jerusalém; a penúria; a fuga do rei Zedequias; o saque do Templo; o incêndio no templo, no palácio e outros edifícios importantes; a demolição dos muros da cidade; o assassinato dos líderes;   o exilio dos habitantes da cidade; a expectativa e a decepção quanto à ajuda externa e o estado precário da nação. 



Cadáveres amontoados por todos os lados. Canibalismo e sacrilégio – dois Terrores atacando as ruas da cidade destruída. O assassinato desesperado de crianças inocentes demonstrou a perda de esperança no valor humano, os sacerdotes mortos evidenciaram o desaparecimento pela vontade divina.

Todo sofrimento é provocado por alguma coisa. Há um evento especifico por trás de um ato de dor. O sofrimento explode e dor se espalha como os estilhaços de uma granada.

“Ó Senhor, pensa nisso! Acaso deves tratar teu povo dessa maneira? Devem as mães comer os próprios filhos, que elas criaram com tanto carinho? Devem os sacerdotes e os profetas ser mortos dentro do templo do Senhor? (Lm 2.20).

 “Estão jogados nas ruas, jovens e velhos, rapazes e moças, mortos pelas espadas, do inimigo. Tu os matastes em tua ira e os devorastes sem piedade”  (Lm 2.22).

“Como se faz convocação para um dia de festa, convocaste contra mim terrores de todos os lados. No dia, da ira do Senhor, ninguém escapou nem sobreviveu; aqueles dos quais eu cuidava e que eu fiz crescer, o meu inimigo destruiu” (Lm 2.22).

Até hoje os judeus costumam ler publicamente esta obra no jejum do dia nove do mês Abe (em meados de julho), relembrando as destruições de Jerusalém que aconteceram no ano 586 a.C., muitos judeus leem esse livro durante a semana toda, em frente ao “muro de lamentações”, o que restou do templo de Salomão.

2)    Forma
Os lamentos foram compostos em uma forma estrutura de acróstico alfabéticos. Os quatro primeiros poemas percorrem todo o alfabeto hebraico; o terceiro capitulo tem 66 versículos, empregando trezes vezes seguidas cada uma das 22 letras do alfabeto hebraico. O quinto não é acrostico, mas contém 22 versos, número das letras do alfabeto hebraico.   


Por quê? Era para facilitar a memorização (Salmo 119 está na forma de acróstico). Também, garantir que a tristeza e o desespero fossem manifestado por completo.   Portanto, o acróstico, com paciência e cuidado, avança pelas letras do alfabeto e cobre todo terreno do sofrimento. Leva cada detalhe em consideração. Uma expressão talmúdica fala de observar a Torá de Aleph a Tau, ou, como diríamos, de A a Z!

O primeiro capítulo começa descrevendo as dificuldades de Sião vistas do lado de fora, como se vizinho tivesse relatando: “A cidade que antes era cheia de gente agora está deserta. Antes era grande entre as nações, agora está sozinha, como uma viúva. Antes era rainha de toda terra, agora é escrava”. (Lm 1.1).

Mas, ele termina o capítulo declarando o sentimento de quem está dentro da situação, do sofrimento: “As estradas para Sião estão de luto, pois as multidões já não vem celebrar as festas. Os portões da cidade estão em silencio, os sacerdotes gemem, as moças choram. Como é amargo seu destino” (Lm 1.4)

“Voces não se comovem, todos vocês que passam por aqui? Olhem ao redor e vejam se há sofrimento maior do que me foi imposto” (v.12). “...Meus gemidos são muitos, e meu coração está enfermo” (v.22).

O Segundo capítulo estende o limite do sofrimento até a esfera divina. Não há emoção mais desagradável nem mais difícil de enfrentar do que a ira. E, quando quem está irado é Deus, a situação e muito mais difícil.

“O Senhor cobriu a cidade de Sião com a nuvem de sua ira! Lançou-se por terra toda beleza e alegria de Israel... Não se lembrou do estrado de seus pés no dia do seu furor” (Lm 2.1). O termo “estrado de seus pés” é o templo”.

“O Senhor é como um inimigo; ele tem devorado Israel, tem devorado todos os seus palácios e destruídos as suas fortalezas, tem feito multiplicar os prantos e as lamentações da filha de Judá” (v.5).

Aquilo que supúnhamos ser pequenos delitos inofensivos, durante a desolação de Jerusalém passou a ser considerado pecado grave. Os chacas que perambulavam pelos corredores destruídos do templo de Sião (5.18) constituem evidencia de um grande mal que se insinuou em silencio  e com discrição na vida do povo de Deus. A VISÃO DOS PECADOS ESCONDIDOS DURANTE DECADAS NOS CORAÇÕES, QUE AGORA APARECIA NAS RUAS, PROVOCA ARREPENDIMENTO: “Ai de nós, porque temos pecado” (5.16). 


O terceiro capítulo intensifica o acróstico, pois cada uma das três linhas de cada estrofe começa com a mesma letra e não são 22 versos, mas 66 versos! De repente, surge um homem! Por fim, um indivíduo capaz de lamentar de verdade, com profundidade, o que vivenciara. É o lamento mais pessoal e demonstra profunda individualização.

“Eu sou o homem que viu a aflição trazida pela vara da sua ira” (3.1)
“Então por que nós, humanos, nos queixamos quando somos castigados por nossos pecados? (V.39)

“Em vez disso, examinemos nossos caminhos e voltemos para o Senhor”. (v. 40).

O capítulo 4 ameniza a intensidade da emoção do poema anterior e volta à terceira pessoa. O folego humano não consegue suportar a intensidade do capítulo 3. O acrostico continua a explorar o sofrimento, mas agora a distância.

“Como o ouro perdeu o brilho! Como o ouro fino ficou embaçado! As pedras sagradas estão espalhadas pelas esquinas de todas as ruas” (4.1). Vejam, que o verso 2 interpreta o v.1: “Como os preciosos filhos de Sião, que antes valiam eu peso em ouro, hoje são renegados a condição de vasos de barro, obras das mãos de simples oleiro” (v.2).

As metáforas assumem um aspecto familiar: “ouro reluzente perdeu o seu brilho”. Agora, “...antes valiam seu peso em ouro, hoje são renegados... vasos de barro” (vs. 1 e 2).

“A língua que mama fica preso ao céu da boca, de tanta sede... os que fartavam de alimentos de alta qualidade... desfalecem nas ruas famintos... seus príncipes eram mais brilhantes que a neve ao sol... sua pele enrugou-se sobre os seus ossos, e agora parecem lascas finas de madeira seca... os mortos à espada estão melhor do que os que se arrastam esfomeados...” (vs. 4-9).

Conclusão: uma oração
O quinto capítulo é uma oração. O último lamento coloca toda situação diante de Deus.  “O FIM DAS POSSIBILIDADES HUMANAS PRESSUPOE CLARAMENTE AS POSSIBILIDADES DE DEUS”.

“Ó Deus, lembra-te do que tem acontecido conosco; olha para nós e contempla o nosso absoluto estado de desgraça” (5.1).

“Somos órfãos de pai, nossas mães são como viúvas” (v.3)

“Ó Deus, restaura-nos para ti mesmo, Senhor, para que retornemos; renova os nossos dias como os de antigamente” (v.21).

Se o mal tem início, também tem fim. Após percorrer todas as letras no alfabeto hebraico. Depois de usar todas, começa-se a perceber que o terreno já foi todo explorado. A tristeza e o sofrimento têm fim. Há um esquema alfabético que pode ser contado: Assim, quando você está no, A, sabe que, embora distante, o Z está à sua frente e que ali a progressão terá fim. QUE AS LÁGRIMAS CORRAM, MAS QUE TAMBÉM CESSEM! 




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