“Santo, Santo, Santo” e a desolação do profeta Is 6
Introdução
“No ano em que morreu o rei Uzias” (Is 6.1). Uzias virou sinônimo
de: “Cautela. Perigo adiante. Cuidado
por onde anda”. Porque decidiu tomar conta de sua própria espiritualidade,
administrar sua própria religião, fazer Deus atender os seus caprichos. Ele
estava com o incensário nas mãos e estava pronto a fazer a oferta sagrada, mas
os sacerdotes não deixaram. Perdeu a compostura e zangadamente mandou que
Azarias e os sacerdotes se retirassem.
A profanação teve repercussões imediatas. Uzias ficou leproso. A horrenda enfermidade que no imaginário hebreu simboliza o pecado pôs a nu, diante de todos, sua profanidade interior. Uzias faz uma advertência muitíssimo necessária: vagar em torno do santo, do sagrado, é algo muito arriscado. O solo santo é solo perigoso: “...Tire as sandálias dos pés, pois o lugar em que você está é terra santa” (Ex. 3.5). Jamais, em hipótese alguma, o santo pode ser algo que possamos tomar de Deus como se o possuíssemos e pudéssemos usá-lo para nossos propósitos.
1) “...Eu vi o Senhor assentado num trono...”
Isaias foi ao templo orar, buscar a face do Senhor, eram
tempos de angustia. Enquanto orava teve uma visão do santuário, do próprio céu,
ou seja, o céu se abriu para o profeta e viu um trono e alguém assentado nele. “Adonai”
está assentado no trono. Ele é o Senhor, toda soberania está em suas mãos e é o
dono de tudo. Portanto, não há motivo para pânico, desespero, medo, não! Porque
Adonai está assentado, está dominado, reinando, o seu reino é eterno, jamais
terá fim.
O profeta viu além do trono, viu também serafins (seraph significa, literalmente, “incandescente”, ou seres flamejantes”), com seis asas: “Com duas cobriam o rosto, com duas cobriam os pés e com duas voavam” (Is 6.2). E cantavam em coro uns para os outros, afirmando: “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos, a terra inteira está cheia da sua glória” (Ex 6.3).
Moisés viu o Santo, a presença de Deus em uma sarça ardente
que não se consumia: “Moisés, Moisés”. A palavra para santo é “qadosh”, no pentateuco
aparece 104 vezes. João na ilha de Patmos, um lugar tão estéril, uma ilha
prisional, inóspito, quanto Midiã. E, João, assim como Moisés em Midiã, estava
lá no exilio. Jesus apareceu flamejante como o Santo:
“...Semelhante a um filho de homem, com um veste que chegava aos seus pés e um cinturão de ouro ao redor do seu peito. Sua cabeça e seus cabelos eram brancos como a lã...e seus olhos como chama de fogo. Seus pés eram como bronze numa fornalha ardente e sua voz como som de muitas aguas...e da sua boca saia uma espada afiada de dois gumes. Sua face era como o sol quando brilha em todo o seu fulgor” (Ap 1.12-16). Diante dessa visão de santidade, diz o texto: “Quando o vi, cai aos seus pés como morto. Então, ele colocou sua mão direita sobre mim e disse: Não tenha medo. Eu sou o primeiro e o ultimo” (Ap. 1.17).
Moisés em Midiã, de um lado, e João em Patmos, de outro, com
Isaias no centro, no santuário de Jerusalém. Precisamos de toda escritura, de
toda história, de toda a experiencia, para termos um horizonte grande o
suficiente para acolher o Santo. O Santo não pode ser pressionado e enfiado numa
caixa de sapato. O Santo não pode ser percebido por meio de um vigia, um
guarda. “Santo, Santo, Santo é o Senhor,
toda terra está cheia da tua glória”.
Não importa o que Uzias faça no santuário, não importa o que
os assírios façam ao mundo (estavam saqueando o Oriente Médio nos dias de
Isaias, era o terror daqueles dias), HÁ SANTIDADE no lugar do culto e glória na
terra. Há SANTIDADE no deserto estéril de Midiã “...Tira a sandálias dos seus
pés esta terra é santa...”; há SANTIDADE na ilha prisional de Patmos “...cai
aos seus pés como morto...”. E, sim, há santidade em todas as igrejas -apesar
do pecado do orgulho, da imoralidade sexual, do adultério, da mentira, etc – PORQUE
DEUS AINDA ESTÁ PRESENTE na criação, ainda criando, ainda salvando, ainda
curando, ainda batizando crentes com Espírito Santo...ainda há SANTIDADE.
2) “...Tocou a minha boca”.
“Ai de mim! Estou perdido! Pois sou um homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros” (Is 6.5).
Se tomarmos o cuidado de nos isolar do Santo e viver em
harmonia com o nosso entorno, fica fácil supor que a nossa vida dá muito bem,
obrigado. Preciso do Santo para perceber minha impiedade. Estamos perdidos desde
que saímos do Éden, vagueando pelo mundo, procurando um novo lar e, enquanto a
busca se desenrola, nos sujamos muito. Mas perceber o pecado em nós não é um
fim em si mesmo; é uma abertura para a misericórdia e para o perdão.
O pecado e a impureza se manifestam assim que abrimos a boca,
sempre que abrimos a boca, mesmo em nossas conversas mais polidas e decorosas.
Deus responde purificando nossa linguagem, dando-nos condições de dizer “sim”
ao seu “Sim”. O anjo, a testemunha incandescente, flamejante da santidade de
Deus “...trazendo na mão uma brasa viva,
que tirara do altar com uma tenaz; com a brasa tocou a minha boca e disse: Eis
que ela tocou os teus lábios; a tua iniquidade foi tirada, e perdoado, o teu
pecado” (Is 6.6-7). A OBRA PRIMORDIAL DE DEUS EM NÓS NÃO É A CONDENAÇÃO,
MAS PERDÃO: “Pois Deus enviou o seu
Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que este fosse salvo por
meio dele” (Jo 3.17).
SE NÃO PERMANECERMOS
PERTO DO SANTO TEMPO O BASTANTE PARA PRIMEIRO PERCEBER E DEPOIS EXPERIMENTAR
AQUELA BRASA VIVA EM NOSSOS LÁBIOS, PASSAREMOS A VIDA EM TRÁGICA IGNORANCIA A
RESPEITO DE DEUS E DE SEUS CAMINHOS.
3)
“QUEM
ENVIAREI” (Is 6.8)
Santidade sempre envolve a Palavra de Deus: Deus fala a Moisés na sarça em chamas; Deus falou a João na visão de Patmos; Deus falou a Isaias no templo de Jerusalém. A experencia com Deus, o transbordar da vida presenta na santidade não é algo para ser guardado para si, mas algo para ser entregue, compartilhado, espalhado ao redor, comunicado e posto em funcionamento.
“Ai de Mim” Estou perdido!” A consciência do pecado, diante
da santidade de Deus; “a brasa viva”: sua culpa será removida, a experiencia do
perdão misericordioso de Deus; “Quem enviarei?” e a resposta humana de se fazer
presente diante de Deus em fé e obediência: “Eis-me aqui. Envia-me a mim” (Is
6.8). A chamada de Deus não é imposta, coagida, o chamado de Deus é forma de
pergunta, convidando a uma resposta; temos a liberdade de dizer: “Sim” ou “Não”.
Entretanto, o capítulo 6 contém muito mais que o trono, a
fumaça da presença de Deus, a glória, mais do que o hino seráfico, mais do que
a impressionante purificação da linguagem do profeta pelas brasas do altar, mais
do que Deus perguntando ao profeta “Quem enviarei?”. Existe também Deus
instruindo, orientando Isaias sobre o que fará exatamente como profeta. Deus
diz: “Estejam sempre ouvindo, mas nunca entendam; estejam sempre vendo, e
jamais percebam” (Is 6.9).
E Deus diz mais ao profeta: “Torne insensível o coração deste povo; torne surdos os seus ouvidos e
feche os seus olhos. Que eles não vejam com os olhos, não ouçam com os ouvidos
e não entendam com o coração para que não se convertam e sejam curados” (Is
6.9-10).
E Isaias pergunta, “Quanto tempo isso vai durar?” “Até que as cidades estejam em ruinas e
sem habitantes, até que as casas fiquem abandonadas e os campos estejam totalmente
devastados, até que o Senhor tenha enviado todos para longe e a terra esteja
totalmente desolada. E ainda que um décimo fique no país, esses também serão destruídos.
Mas, assim como o terebinto e o carvalho deixam o tronco quando são derrubados,
assim a santa semente será o seu tronco” (Is 6..11-13).
Isaias é informado que passará a vida toda falando a pessoas
que são consumidoras de Deus, que na maioria dos fins de semana cumprem “seu
dever religioso”, apaziguando suas consciências. Se Isaias não pregar a eles
como eles querem, tudo o que disser os confundirá – não verão, nem ouvirão, nem
entenderão.
O fato verdadeiro é que os homens e as mulheres não amam nem
apreciam o Santo – querem um Deus que lhes sirva do jeito deles, não um Deus a
quem eles sirvam do jeito dele. Então Isaias será um pregador, mas um pregador
que chamam a atenção somente pelo fracasso. Pregará com incrível poder e eloquência,
e as pessoas dormirão no meio de seus sermões. Mas, o resultado final de uma
vida inteira de pregação ordenada por Deus e abençoada por Deus é que o país
será destruído – “totalmente devastado” (Is 6.11).
Conclusão: “...a santa
semente será o seu tronco...” (Is 6.13)
O tronco por mais improvável que pareça e contra tudo o que representa, é a semente santa de onde a salvação crescerá. “ Um ramo surgirá do tronco de Jessé e das suas raízes brotará um renovo. O Espírito Santo brotará sobre ele, o espirito que dá sabedoria e entendimento, o espirito que traz conselho e poder, o espírito que dá conhecimento e temor do Senhor” (Is 11.1-2).
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