PÔNCIO PILATOS
"Entao Pilatos o entregou para ser crucificado. Tomaram
eles, pois, a Jesus. . . Onde o crucificaram" (Joao 19:16-18).
Pilatos era culpado. De fato, a sua culpa encontra-se em
nosso credo cristão o qual declara que Jesus foi "crucificado sob Pôncio Pilatos".
Sabe-se que Pilatos foi nomeado procurador (isto e,
governador romano) da província fronteiriça da Judeia pelo imperador Tibério e
serviu durante dez anos, de cerca de 26 a 36 A.D. Ele adquiriu a fama de hábil administrador, tendo um senso de justiça tipicamente
romano. Os judeus, porem, o odiavam porque ele os desprezava. Eles não se
esqueciam de seu ato de provocação do inicio do seu governo quando exibiu os estandartes
romanos na própria cidade de Jerusalem. Josefo descreve outra de suas loucuras,
a saber, que desapropriou dinheiro do templo a fim de construir um
aqueduto.
Muitos acham que foi no motim que se seguiu que ele misturou sangue
de certos galileus com os seus sacrifícios (Lucas 13:1). Estas são apenas
algumas amostras do seu temperamento esquentado, de sua violência e crueldade.
De acordo com Filão, o rei Agripa I, numa carta ao imperador Caligula,
descreveu Pilatos como: "Um homem de disposição inflexível, e muito cruel como também obstinado". Seu objetivo principal era manter a lei e a ordem,
conservar os judeus perturbadores firmemente sob controle, e, se necessário para esses fins, ser implacável na supressão de qualquer tumulto ou ameaça de
motim.
O retrato de Poncio Pilatos nos Evangelhos se encaixa nessa
evidencia externa. Quando os dirigentes judaicos levaram Jesus a ele, dizendo:
"Encontramos este homem pervertendo a nossa nação, vedando pagar tributo a Cesar e afirmando ser ele o Cristo, Rei" (Lucas 23:2),
Pilatos não pode deixar de lhes dar atenção. A medida que a sua investigação prossegue, os evangelistas ressaltam dois pontos importantes.
Primeiro, Pilatos estava convicto da inocência de Jesus. Ele
obviamente ficou impressionado com a nobre conduta, com o domínio próprio e a inocência politica do prisioneiro. De forma que ele declarou publicamente três vezes não achar nele culpa alguma. A primeira declaração ele a fez logo depois do amanhecer de sexta-feira quando o Sinédrio lhe levou o caso. Pilatos os ouviu, fez algumas perguntas a Jesus, e depois de
uma audiencia preliminar anunciou: "Nao vejo neste homem crime
algum".
A segunda ocasião foi quando Jesus voltou, depois de ter
sido examinado por Herodes. Pilatos disse aos sacerdotes e ao povo:
"Apresentastes-me este homem como agitador do povo; mas, tendo-o
interrogado na vossa presença, nada verifiquei contra ele dos crimes que o
acusais. Nem tampouco Herodes, pois no-lo tornou a enviar. E, pois, claro que
nada contra ele se verificou digno de morte." A esta altura a multidão gritou:"Crucifica-o! Crucifica-o!" Mas Pilatos respondeu,
pela terceira vez: "Que mal fez este? De fato nada achei contra ele para
condena-lo a morte".
Alem disso, a conviccao pessoal do Procurador acerca
da inocência de Jesus foi confirmada pela mensagem enviada por sua mulher:
"Nao te envolvas com esse justo; porque hoje, em sonhos, muito sofri por
seu respeito" (Mateus 27:19). A insistência repetida de Pilatos sobre a inocência de Jesus e o pano de fundo essencial ao segundo ponto a seu respeito
ao qual os evangelistas dão enfase, a saber, engenhosas tentativas de evitar
ter de tomar um partido. Ele queria evitar sentenciar a Jesus (visto acreditar
ser ele inocente) e ao mesmo tempo evitar exonera-lo (visto acreditarem os
dirigentes judaicos ser ele culpado).
Como poderia Pilatos conseguir conciliar esses fatores irreconciliáveis? Vemo-lo contorcer-se a medida que tenta soltar a Jesus e
pacificar os judeus, isto e, ser justo e injusto simultaneamente. Ele tentou
quatro evasões.
Primeira, ao ouvir que Jesus era da Galileia, e, portanto,
estar sob a jurisdição de Herodes, enviou-o ao rei para julgamento, esperando
transferir a ele a responsabilidade da decisão. Herodes, porem, devolveu Jesus
sem sentença (Lucas 23:5-12).
Segunda, ele tentou meias-medidas: "Portanto, depois de
o castigar, solta-lo-ei" (Lucas 23:16, 22). Ele esperava que a multidão se
satisfizesse com algo menos que a penalidade máxima, e que o desejo de sangue
do povo fosse saciado ao verem as costas de Jesus laceradas.
Foi uma ação mesquinha. Pois se Jesus era inocente, devia ter sido
imediatamente solto, não primeiramente acoitado.
Terceira, ele tentou fazer a coisa certa (soltar a Jesus)
com o motivo errado (pela escolha da multidão).Lembrando-se do costume que o
Procurador tinha de dar anistia de pascoa a um prisioneiro, ele esperava que o povo
escolhesse a Jesus para esse favor. Então ele podia solta-lo como um ato de
clemencia em vez de um ato de justiça. Era uma ideia astuta, mas inerentemente
vergonhosa, e o povo a frustrou exigindo que o perdão fosse dado a um notório criminoso e assassino, Barrabás.
Quarta, ele tentou protestar sua inocência. Tomando agua,
lavou as mãos na presença do povo, dizendo:"Estou inocente do sangue deste
justo" {Mateus 27:24). E então, antes que suas mãos se secassem, entregou-o
para ser crucificado. Como pode ele incorrer nessa grande culpa imediatamente
depois de ter proclamado a inocência de Jesus?
E facil condenar a Pilatos e passar por alto nosso próprio comportamento igualmente tortuoso. Ansiosos por evitar a dor de uma entrega
completa a Cristo, nos também procuramos subterfúgios. Deixamos a decisão para alguém mais, ou optamos por um compromisso morno, ou
procuramos honrar a Jesus pelo motivo errado (como mestre em vez de Senhor), ou
ate mesmo fazemos uma afirmacao publica de lealdade a ele, mas ao mesmo tempo o
negamos em nossos corações.
Tres expressoes na narrativa de Lucas iluminam o que,
finalmente, Pilatos fez: "o seu clamor prevaleceu", "Pilatos
decidiu atender-lhes o pedido", e "quanto a Jesus, entregou a vontade
deles" (Lucas 23:23-25). O clamor deles, pedido deles, vontade deles: a estes Pilatos, em sua fraqueza, capitulou. Ele desejava
soltar a Jesus (Lucas 23:20), mas tambem desejava "contentar a
multidao" (Marcos 15:15).
A multidão venceu. Por que? Porque lhe disseram:
"Se soltas a este, não es amigo de Cesar; todo aquele que se faz rei e
contra Cesar" (Joao 19:12). A escolha era entre a honra e a ambição, entre
o principio e a conveniência. Ele já estivera em dificuldades com Tibério Cesar
em duas ou tres ocasioes previas. Ele nao podia arcar com mais uma. Claro,
Jesus era inocente. Claro, a justiça exigia a sua liberdade.
Mas como podia ele
patrocinar a inocência e a justiça se, fazendo-o, estaria negando a vontade do
povo, desfeiteando os dirigentes da nação e, acima de tudo, provocando um levante, o que o levaria a perder o favor
imperial? Sua consciência afogou-se nas altas vozes da racionalizacao. Ele fez
concessoes por ser covarde.
Bibliografia: A cruz de Cristo - John Stott - Editora Vida
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