Davi e o santuário 1 Sm 21.1-9
Introdução
Davi está fugindo. Sabe agora, com toda certeza, que a
intenção do rei Saul é de mata-lo: “Enquanto
o filho de Jessé viver, nem você nem o seu reino serão estabelecidos. Agora
mande chama-lo e traga-o a mim, pois ele deve morrer” (1 Sm 20.31). Agora,
a cabeça de Davi está a premio. Então, Davi, está em fuga. Fugiu com a roupa do
corpo, sem poder traçar um destino, correndo depressa para se salvar. Mas ele
foge para onde? Para Nobe, onde há um santuário e um sacerdote.
1)
Nobe
O santuário, como o nome indica, é um lugar santo, e seu sacerdote – nesse caso Aimeleque -, tem por dever mantê-lo assim. Santo é um atributo de Deus. Por ser santo, ele é INIGUALÁVEL, é também um mistério. Deus é tão inigualável que jamais poderemos fazer uma previsão do que ele pode realizar, muito menos procurar controla-lo, seja de que modo for.
A única forma apropriada de nos aproximarmos de Deus é com
respeito e reverencia, humildade e submissa adoração. Tal aproximação é constituída
por aquilo que aprendemos de Deus – bondade, verdade e beleza – ficamos também
apreensivos com aquilo que está além da nossa compreensão, percebendo quão “terrível
coisa é cair nas mãos do Deus vivo” (Hb 10.31). “Isso é apenas o começo de tudo o que ele faz, um mero sussurro de sua
força; quem pode compreender o trovão do seu poder” (Jó26.16).
Uma advertência: “Tenham
cuidado para não se recusarem a ouvir aquele que fala. Porque, se aqueles que
se recusaram a ouvir o mensageiro terreno não escaparam, certamente não
escaparemos se rejeitarmos aquele que nos fala do céu...Porque o nosso Deus é
um fogo consumidor” (Hb 12.25,30).
Davi chega ao Santuário de Aimeleque em Nobe em busca de
proteção, ele se vê, ali, imerso em santidade. O santuário é um lugar onde
voltamos nossa atenção para Deus, um lugar onde é preservada e honrada a
Palavra de Deus, onde recordamos os acontecimentos em que Deus se tem mostrado
manifestamente ativo e poderoso.
Aimeleque parece ter ficado um tanto desconcertado, talvez até abalado, com a súbita chegada de Davi no santuário: “Aimeleque tremia de medo quando se encontrou com ele...” (1 Sm 21.1). Por que Davi está chegando tão apressado assim? E porque está sozinho? O que afinal, está acontecendo? Davi acalma o sacerdote mentindo para ele: “Está tudo bem, estou a serviço do rei. Alguns soldados meus vão encontrar comigo daqui a pouco. Precisamos de comida, o que você tem? Dê-me cinco pães, ou o que você tiver aqui”.
Quando nos deparamos com Davi mentindo, entendemos que Davi
não é uma vida ideal, mas uma vida real. Davi não é modelo para nossa
moralidade, mas para aprofundar o nosso sentido da realidade humana: isso que
está aí é o que acontece geralmente na grande experiência de ser humano.
Uma das corrupções mais lamentáveis, e frequente, na vida
espiritual é a perda de conexão entre quem é Deus e quem somos nós. Proferimos
o Nome de Deus, entramos num santuário, oramos – mas frequentemente um leve tom
de falsidade começa a se insinuar, uma sutil desonestidade penetra em nossa
fala e em nossa ação – o lugar religioso nos dá ocasião de usarmos a Deus, em
vez de nos submetermos a ele. Tornamo-nos menos, em vez de nos tornamos mais,
diante de Deus.
Davi pede pão, mas o sacerdote não tem, ou melhor, não tem pão comum. Tudo o que tem são pães expostos no ritual judaico, pães consagrados – o pão da proposição -, colocados no altar como oferta ao Senhor. A cada sábado, 12 pães brancos são enfileirados sobre o altar. Cada sábado, quando 12 pães novos substituem os anteriores, aos sacerdotes é permitido comer do que é retirado do altar – mas unicamente aos sacerdotes. É ilícito a qualquer outra pessoa consumi-los (Lv 24.5-9).
Mas é improvável que alguém os queira. Pães velhos, de uma
semana – que iria deseja-los? Aimeleque quebra as normas e lhe dá o pão. Ele
discernia o “espírito das leis”, e não a letra da lei, e permitiu, assim, que
Davi comesse dos pães. O pão separado para um ato solene de comunhão,
semelhante à Nossa Santa Ceia, agora estava sendo arrebatado por Davi, como
simples alimento e avidamente devorado. Um milênio depois, Jesus, comentando o
incidente, elogiou Aimeleque por haver rompido com a letra da lei e servido ao
espírito da lei, no santo lugar (Mt 12.1-5).
Davi pede depois uma arma ao sacerdote. Continua mentindo a Aimeleque a respeito da sua verdadeira situação de fugitivo: “Não trouxe minha espada nem qualquer outra arma, pois o rei exigiu urgência” (1 Sm 21.8). Não haveria algo que pudesse usar? Havia a espada de Golias, que o próprio Davi havia trazido do vale de Elá, alguns anos antes, como troféu de guerra.
Era na verdade, uma lembrança de uma grande ato salvifico “Não
há nenhuma outra, senão a espada de Golias”. Davi não hesitou: “Não há outra
melhor; dê-me essa espada” (1 Sm 21.9). O santuário além de ser um lugar
destinado a meditação, reflexão é, também, um lugar para receber ajuda de emergência:
alimento para jornada e uma espada para a luta.
4)
Doegue
Davi não era o único visitante do santuário de Nobe naquele
dia. Havia ali outro homem, chamado Doegue o edomita. O nome Doeg soa como em
seu original como “preocupação”. Ele é descrito no texto como “chefe dos
pastores de Saul” (1 Sm 21.7). Ou, “chefe da guarda do Palácio de Saul”. Ele,
sem dúvida, conhecia muito bem Davi. Quase sempre que Davi estava com o rei
Saul, certamente Doegue estava por lá.
Doegue estava ali no santuário, naquele dia, para alguma
cerimonia religiosa. Estava “cumprindo seus deveres perante o Senhor”; talvez
participando de algum rito de penitencia ou purificação. Era possivelmente uma
obrigação religiosa.
Ele observou atentamente cada ação de Davi. Ouviu Davi contar mentiras no santuário ao sacerdote de Deus. Viu Davi pegar e comer o pão cuidadosamente resguardado pela lei mosaica exclusivamente para uso espiritual. Viu Davi tomar para si a famosa espada de Golias – a peça de museu que nutria o orgulho nacional e carrega-la consigo para o mundo lá fora. Oculto nas sombras, observou tudo o que Davi fazia, registrando-o na memória para usar depois.
Conclusão:
Coisas maravilhosas acontecem no santuário. Quando em nossas fugas paramos num santo lugar, ali descobrimos que há mais sobre a vida do que aquilo que nossas circunstancias e sentimos nos fazem ver. Mas, coisas terríveis também acontecem nos santuários. Podemos utilizar o culto para nos isolar das pessoas que desprezamos, ou cultivar um sentimento de superioridade, ou obter uma maneira de alcançar vantagem. Quando entramos num santuário, podemos sair melhores, ou piores.
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