O leão, o burro e o rato.
Um leão, um burro e um rato voltavam,
afinal, da caçada que haviam empreendido juntos e colocaram numa clareira tudo
que tinham caçado: dois veados, algumas perdizes, três tatus, uma paca e muita
caça menor. O leão sentou-se num tronco e, com voz tonitruante que procurava
inutilmente suavizar, berrou:
- Bem, agora que terminamos um
magnífico dia de trabalho, descansemos aqui, camaradas, para a justa partilha
do nosso esforço conjunto. Compadre burro, por favor, você, que é o mais sábio
de nós três, com licença do compadre rato, você, compadre burro, vai fazer a
partilha desta caça em três partes absolutamente iguais. Vamos, compadre rato,
até o rio, beber um pouco de água, deixando nosso grande amigo burro em paz
para deliberar.
Os dois se afastaram, foram até o rio,
beberam água e ficaram um tempo.
Voltaram e verificaram que o burro tinha feito um trabalho extremamente
meticuloso, dividindo a caça em três partes absolutamente iguais. Assim que viu
os dois voltando, o burro perguntou ao leão:
- Compadre rato, lamento muito, mas
tenho a impressão de que concorda em que não podíamos suportar a presença de
tamanha inaptidão e burrice. Desculpe eu ter perdido a paciência, mas não havia
outra coisa a fazer. Há muito que eu não suportava mais o compadre burro. Me
faça um favor agora - divida você o bolo da caça, incluindo, por favor, o corpo
do compadre burro. Vou até o rio, novamente, deixando-lhe calma para uma
deliberação sensata.
Mal o leão se afastou, o rato não teve
a menor dúvida. Dividiu o monte de caça em dois: de um lado, toda a caça,
inclusive o corpo do burro. Do outro apenas um ratinho cinza morto por
acaso. O leão ainda não tinha chegado ao rio, quando o rato chamou:
- Compadre leão, está pronta a
partilha!
O leão, vendo a caça dividida de
maneira tão justa, não pôde deixar de cumprimentar o rato:
- Maravilhoso, meu caro compadre,
maravilhoso! Como você chegou tão depressa a uma partilha tão certa?
E o rato respondeu:
- Muito simples. Estabeleci uma relação
matemática entre seu tamanho e o meu - é claro que você precisa comer muito
mais. Tracei uma comparação entre a sua força e a minha - é claro que você
precisa de muito maior volume de alimentação do que eu. Comparei,
ponderadamente, sua posição na floresta com a minha - e, evidentemente, a
partilha só podia ser esta. Além do que, sou um intelectual, sou todo espírito!
- Inacreditável, inacreditável! Que
compreensão! Que argúcia! - exclamou o leão, realmente admirado. - Olha, juro
que nunca tinha notado, em você, essa cultura. Como você escondeu isso o tempo
todo, e quem lhe ensinou tanta sabedoria?
- Na verdade, leão, eu nunca soube
nada. Se me perdoa um elogio fúnebre, se não se ofende, acabei de aprender tudo
agora mesmo, com o burro morto.
MORAL: SÓ UM BURRO TENTA FICAR COM A
PARTE DO LEÃO.
Millôr Fernandes
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