domingo, 15 de outubro de 2017

MDA: por que preocupa

De modo geral, as igrejas evangélicas têm adotado dois modelos de discipulado. O primeiro, ortodoxo, prioriza o Evangelho e emprega os “ultrapassados” cultos de ensino, Escola Dominical e cursos teológicos. Já o segundo, heterodoxo, prega “outro evangelho”, à base de pragmatismo e utilitarismo, e mescla verdades bíblicas com filosofias antropocêntricas, apesar de utilizar uma metodologia “mais eficaz”, que atende aos anseios do mundo pós-moderno. A “visão celular” — mais conhecida pelas siglas G12, M12 ou MDA — faz parte do modelo heterodoxo, visto por muitos como uma “quebra de paradigmas” e, ao mesmo tempo, um retorno aos princípios da igreja de Atos dos Apóstolos.

O MDA (Modelo de Discipulado Apostólico) se baseia no tripé: células, encontros e discipulado um a um, que é uma microcélula ou “coração da célula”, já que discípulo e discipulador fazem parte da mesma célula. E, embora seu fundador afirme que Deus lhe deu um modelo exclusivo para o Brasil, trata-se de uma espécie de G12. Ele mesmo admitiu que, ao estudar “diferentes modelos de igreja em células, observando-os de perto e gastando tempo com os líderes envolvidos em sua prática, encontramos vários bons modelos, como o [...] ‘Modelo do Governo dos 12’, do pastor Cesar Castellanos, da Colômbia” (HUBER in ZIBORDI, 2016). Em essência, esses modelos são gêmeos e, de modo patente ou latente, propagam a Teologia da Prosperidade, a Confissão Positiva etc.

Nos dois, o templo é usado prioritariamente para celebrações dançantes, visto que o discipulado ocorre nas células, e as ministrações principais, nos encontros. Para ambos, a célula é a essência da igreja, onde “a vida do Corpo se encontra de forma sintetizada em todos os seus muitos aspectos, tais como: adoração, intercessão, evangelismo, integração, discipulado, treinamento de líderes, comunhão, assistência social etc.” (HUBER, 2016). Há alguns anos, um pastor, decepcionado com o MDA, me disse: “A primeira coisa que fizemos foi acabar com a Escola Dominical, porque os estudos seriam nas células. O louvor da igreja virou show, tiramos os hinos da Harpa Cristã e colocamos luzes no altar. Fui líder de várias células e cada vez mais me impressionava o desaparecimento da mensagem bíblica, que antes tínhamos”.

Quanto aos encontros do MDA para iniciantes, há vários depoimentos na Internet que nos ajudam a compreendê-los (cf. TOMÁZ, 2016). Eles são realizados em lugares secretos, onde os discípulos são recebidos com muita festa, ficam incomunicáveis por três dias e participam de várias ministrações. A primeira, logo após a chegada, à noite, é “Peniel”, pela qual se enfatiza que o discípulo deve ser transformado a fim de participar das próximas ministrações. As luzes, então, se apagam, para que cada um fale com Deus “face a face”. Após o jantar, todos são aconselhados a dormir e se preparar para o dia seguinte, que “será tremendo”. A segunda ministração, de manhã, é “encontro com Deus”: os discípulos são acordados e, ainda em jejum, ouvem vários bordões de autoajuda junto com um fundo musical. Eles recebem, ainda, um manto vermelho, para o primeiro “ato profético”.

A terceira é “libertação”, por meio de imposição de mãos, exorcismo e quebra de maldições. A quarta é “cura interior”, a partir da qual o discípulo, mesmo se sentindo liberto, precisa tratar das feridas da alma, confessando seus pecados e liberando perdão a todos, inclusive a Deus! Tudo ocorre à base de sugestão, com as luzes reduzidas e um fundo musical. Já na parte da noite, vem a quinta: “sonhos”, e os discípulos, “transformados”, expõem seus sentimentos. Novamente com fundo musical, ocorrem mais “atos proféticos”. Em um destes, alguém faz o papel do Tentador, que procura destruir os sonhos das pessoas.

Embora chamada de “cruz de Cristo”, a ênfase da sexta ministração não recai sobre a obra redentora do Senhor. O MDA é antropocêntrico: apresenta Jesus como um homem que venceu mediante uma declaração de fé no Inferno e ignora que Ele venceu o Diabo e suas hostes na cruz (Hb 2.14,15), ao dizer: “Está consumado” (Jo 19.30). Os participantes, então, recebem pregos e oram de braços abertos até sentirem dores e começarem a chorar. Quando abaixam os braços, alguém os ajuda a permanecerem “crucificados”. Antes de o local se transformar em uma discoteca, eles — ignorando os gloriosos efeitos da obra expiatória de Jesus, realizada de uma vez por todas (Cl 2.14,15) — fazem uma lista de pecados e a cravam numa cruz!

No dia seguinte, vem a sétima ministração: “oração”, com músicas de fundo que mantêm os discípulos no “mesmo espírito”. Não há ensino da Palavra de Deus, na prática. E a oração limita-se a “línguas estranhas”, sem a observância do ensino de 1 Coríntios 14. Vem então a oitava ministração: “nova vida em Cristo”, e um discipulador, após ler um texto bíblico, diz a todos: “Preparem-se! O mover de Deus está só começando”. E, ao som música pesada, inicia-se uma peça teatral que, de modo tácito, apresenta o Diabo como um ser muito mais poderoso do que é, rebaixando, assim, o Todo-poderoso. Ora, as hostes do mal agem por permissão do Senhor, que, no momento certo, as vencerá “pelo assopro da sua boca” (2 Ts 2.8).

Com luzes apagadas e janelas fechadas, os discípulos se ajoelham, e suas cabeças são lavadas. Ainda há três ministrações, que têm lugar com um “bom” fundo musical: “finanças” — visando-se a uma “grande semeadura” —, “visão do MDA” e “somos amados”. Nesta, a décima-primeira, o pastor da igreja entra em cena e diz a todos o quanto eles são amados. Enquanto ele ora com muita emoção, mochilas são depositadas aos pés dos discípulos, nas quais há cartas e presentes de familiares e/ou amigos que já fazem parte do MDA. Trata-se de uma estratégia para “fidelizar” o discípulo.

Na última ministração, “batismo com o Espírito Santo”, todos se prostram diante de uma arca; mais um “ato profético”. Em seguida, as luzes se apagam, e eles, de mãos dadas, ouvem mais uma palavra emotiva por parte do pastor, e a histeria toma conta do ambiente. Forma-se uma espécie de “corredor polonês”, por onde os discípulos passam para receber uma “nova unção”, precedida de unção literal e abundante. Eles saem do outro lado — encharcados de óleo —, pulando ou dando gargalhadas; alguns até caem ou andam como animais quadrúpedes. Ignora-se completamente o que está escrito em 1 Coríntios 14.37-40. E, ainda antes de entrarem no ônibus, os pastores ungem seus pés. Quase todos saem dali dizendo: “O encontro foi tremendo; agora sim eu sei o que é sentir a presença de Deus”.

Os proponentes do MDA dizem que Jesus priorizou o discipulado “um a um”, em que cada discípulo deve estar debaixo da “cobertura espiritual” de um discipulador — este, segundo seu idealizador, “tem compromisso total de não falar nada para pessoa alguma daquilo que o discípulo confidenciou, a não ser que obtenha primeiramente sua permissão”. Eles também interpretam de modo equivocado a Grande Comissão (Mt 28.19,20), já que supervalorizam o “fazei discípulos”, dizendo que isto “tem que ser priorizado, pois sem dúvida é um assunto de máxima importância” (HUBER, 2016).

Como se sabe, a Grande Comissão abarca evangelização, discipulado e ensino teológico (cf. Mc 16.15; At 1.8). Na ordem “ensinai todas as nações”, o verbo (gr. matheteuo) denota “fazer discípulos”, mas em “ensinando-as a guardar todas as coisas”, o verbo, literalmente, significa “doutrinar” (gr. didasko), o que envolve metodologia e sistematização. E, aqui — diferentemente do primeiro caso — o tempo verbal indica que o ensino teológico, e não o discipulado, deve ser contínuo. Segue-se que as igrejas que priorizam a Escola Dominical e dão ênfase ao ensino teológico, que abrange doutrinas fundamentais como Trindade, Cristologia, Soteriologia, Pneumatologia etc., estão sendo fiéis ao que o Senhor Jesus ordenou!

Quanto ao MDA, como vimos, a ênfase recai sobre prosperidade financeira, batalha espiritual, falsa cura interior etc. Ademais, cada discípulo presta contas a um discipulador, que tem o direito de se intrometer na vida pessoal daquele, em seus negócios, decisões e até em sua vida conjugal! Afinal, quem está em uma determinada escala hierárquica “protege” quem está abaixo dela. Resultado: o discipulador é uma espécie de “anjo da guarda”. Ou, ainda pior: ele usurpa o lugar do Espírito Santo, pois através da “cobertura espiritual” supostamente impede que seu discípulo se desvie da “visão”.

Diante do exposto, não há dúvida de que o MDA (1999) é irmão mais novo do G12 (1983), e que ambos são “outro evangelho” (Gl 1.8). Atentemos, portanto, para o que a Palavra de Deus diz em 1 Coríntios 15.1,2: “vos notifico, irmãos, o evangelho que já vos tenho anunciado, o qual também recebestes e no qual também permaneceis; pelo qual também sois salvos, se o retiverdes tal como vo-lo tenho anunciado, se não é que crestes em vão”.

Ciro Sanches Zibordi
Artigo publicado no jornal Mensageiro da Paz, ano 87, número 1.581, de fevereiro de 2017


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